Modalidade não é regulada pela ANS. Usuários reclamam de diferenças de preço e dificuldade para cancelar
RIO - A crise econômica que deixou milhões de desempregados no Brasil reduziu o número de usuários de
planos de saúde
— de 50,45 milhões, em dezembro de 2014, para 47 milhões, em março deste ano. Nesse contexto, os
cartões de desconto
surgiram como uma alternativa para ter acesso a serviços de saúde por
preços mais acessíveis. Com mensalidades a partir de R$ 20, para
usuários individuais e famílias, prometem até 80% de abatimento no valor
de consultas, exames e procedimentos médicos.
Cresce o número de usuários do serviço e também se multiplicam as
reclamações. Entre as queixas estão a dificuldade de cancelar o
contrato, o número reduzido de profissionais credenciados e o valor
final da conta dos atendimentos. É que sobre o preço anunciado da
consulta, dizem os consumidores, são aplicadas taxas, que podem
quadruplicar o total a ser pago. Num atendimento com psiquiatra, por
exemplo, a consulta custa R$ 28, mas a título de terapia são cobrados
mais R$ 100.
Por não ser um plano de saúde, ressalta a Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), os cartões não são regulamentados pelo órgão.
Portanto, continua, “não oferecem garantias como o atendimento aos
procedimentos previstos pelo Rol de Procedimentos da ANS, prazos máximos
de atendimento ou acesso ilimitado”.
Tereza Cristina Maggessi, de 66 anos, beneficiária do cartão Rede Saúde
Total do filho, o bancário Bernardo Cathala, de 34 anos, conta que,
quando precisou de atendimento por causa de uma pneumonia, não obteve o
prometido desconto:
— Ligamos para a central, pois é a rede que indica um médico e agenda a
consulta. Fizeram a marcação numa clínica em Niterói para o dia
seguinte, mas, chegando lá, soubemos que o médico não era conveniado. De
novo, entramos em contato, e dessa vez só conseguiram consulta em São
Gonçalo. Novamente, o médico não era credenciado, e tivemos de pagar o
preço cheio. Quando meu filho quis cancelar, ainda disseram que não era
possível antes de seis meses.
Atenção ao contratar
A dona de casa Adriana Oliveira, de 34 anos, também se queixa de
dificuldades para cancelar o Cartão de Todos — empresa líder do setor,
com 2,5 milhões de inscritos e cerca de dez milhões de beneficiários,
incluindo dependentes.
— Quando li sobre o cartão, fiquei interessada e me cadastrei. Após o
pagamento, fui informada de que deveria buscar o cartão presencialmente.
Era tanta desorganização sobre o local de retirada que decidi cancelar,
ainda no prazo de arrependimento, de sete dias. Mas não queriam fazer o
estorno e alegaram que eu teria de levar o comprovante do cancelamento
para assinar na loja.
Segundo especialistas em direito do consumidor, é preciso atenção antes de contratar o serviço.
— No fundo, ainda se trata de iniciativas para fugir das exigências
legais e vender serviços de saúde segmentados, que ficam no limbo entre o
SUS e os planos de saúde. Estes cartões são serviços mais baratos que
um plano, mas menos completos. Podem ser úteis em situações pontuais,
mas para exames e procedimentos de alta complexidade, de custo elevado, o
consumidor tem de recorrer ao SUS ou é obrigado fazer desembolsos
vultosos — destaca Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em Saúde do
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Rodrigo Miliante, gestor da Rede Saúde Total — que saiu de 435.300
associados no fim de 2014 para 865 mil em 2018 — diz que, de fato, o
serviço não se caracteriza como um plano de saúde:
— É um produto para pessoas sem condições financeiras de arcar com os
custos de um plano de saúde terem acesso a médicos particulares e não
dependerem do SUS.
Em relação à reclamação de Tereza Cristina, a Rede Saúde Total diz que a
clínica cometeu um equívoco ao informá-la de que especialidade não era
atendida pelo benefício. Quanto ao cancelamento, a empresa admite que há
um período de fidelidade, informado na hora da contratação.
No caso de
Adriana, o Cartão de Todos afirma que, se for comprovado o pedido de
cancelamento antes de sete dias da contratação, o valor será estornado.
Ainda segundo a empresa, o cancelamento pode ser feito a distância, mas,
para a proteção do consumidor, a orientação é de comparecimento
presencial.
Entenda como funciona
Não é plano de saúde.
Cartão de desconto não é plano de saúde e, por isso, não é regulado pela
ANS. Isso quer dizer que não há garantias de atendimento ao Rol de
Procedimentos da ANS, prazos máximos de atendimento ou acesso ilimitado.
Atendimento.
Os serviços oferecidos, usualmente, pelos cartões de descontos são
consultas e exames. Ou seja, para atendimentos de emergência,
internações hospitalares e procedimentos de alta complexidade, o
consumidor terá de recorrer ao SUS ou arcar integralmente com o custo.
Diferença de preço.
Em caso de cobrança de preços de consultas ou procedimentos diferentes
daqueles informados pela empresa, o consumidor deve recorrer ao Procon,
pois isso pode caracterizar publicidade enganosa. Recomenda-se guardar
folhetos e publicidade.
Cancelamento.
A cobrança de multas para cancelamento só pode ser feita se no contrato
foi estabelecido um tempo mínimo de permanência. Esse período de
fidelidade deve ser claramente informado.
Serviço mal prestado.
Em caso de cancelamento por má prestação do serviço, não se pode cobrar
multa nem exigir o cumprimento do tempo mínimo de permanência.
Fonte: O Globo