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quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Teoria da perda do tempo útil do consumidor!


Há muito que consumidores perdem seu tempo útil em tentativa de solucionar problemáticas ocasionadas pela má prestação de serviço ou condutas abusivas por parte de grandes empresas. Felizmente, recentemente o poder judiciário vem reconhecendo a importância do tempo do consumidor e chegando a conclusão de que tempo é dinheiro. 

Consequentemente entende-se ser cabível o dever indenizatório da empresa para com o consumidor que perdeu seu tempo tentando solucionar problemáticas que não foi ele quem deu causa, ou, quando o tempo de espera por um atendimento, ainda que espontâneo, deve ser um tempo razoável e não uma eternidade infindável. 

Vejamos abaixo decisão da 35ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Registro: 2014.0000018822
Apelação nº 0073238-56.2012.8.26.0576 2

Apelação Cível nº 0073238-56.2012.8.26.0576

Apelante (s): HEWLETT PACKARD BRASIL LTDA

Apelado (s): MARCEL TORQUATO MONTEIRO

Comarca: SÃO JOSÉ DO RIO PRETO 1ª V. CÍVEL

Magistrado (a): Lavinio Donizetti Paschoalão

V O T O Nº 25490


RESPONSABILIDADE CIVIL DANOS CAUSADOS AO PRODUTO DURANTE MANUTENÇÃO EM ASSISTÊNCIA TÉCNICA PRESTADA PELA FABRICANTE SOLUÇÃO PROTRAÍDA NO TEMPO POR DESÍDIA DA FABRICANTE TRANSCURSO DE SEIS MESES PARA ANÁLISE, SEM QUALQUER CONTATO COM O CONSUMIDOR DANO MORAL CARACTERIZADO.

1. A situação que, na hipótese, desborda do piso de tolerabilidade ao qual estão expostos todos os que vivem em sociedade não se subsume ao vício do produto, posto se tratar de mero inadimplemento a ser resolvido em perdas e danos. O sentimento de impotência e de indignação narrados na vestibular são atribuídos ao modo como a fornecedora tratou o autor ao tomar conhecimento dos danos subsequentes, causados por seus próprios prepostos.

2. Poder-se-ia alegar que a lei prevê solução para as hipóteses em que o fornecedor excede o prazo para regularização do vício (art. 18, § 1º, CDC), de modo que o transcurso de seis meses seria atribuído à inércia do próprio consumidor em buscar guarida judicial. A questão é que a fornecedora, extrajudicialmente, nunca negou o direito de o consumidor ter sua pretensão analisada e resolvida; ao reverso, alimenta sua expectativa, mas protraiu sua decisão indefinidamente.

3. Recursos improvidos.

1. Trata-se de ação de rescisão contratual cumulada com reparação de danos morais que MARCEL TORQUATO MONTEIRO promove em face de HEWLETT PACKARD BRASIL LTDA, julgada procedente pela r. Sentença de fls. 64/69, declarada às fls. 79, cujo relatório se adota.

Inconformada, recorre a acionada e, adesivamente, o autor.

O autor pretende a majoração da indenização por danos morais para quantia correspondente a cinco vezes o valor do negócio jurídico rescindido.

A acionada, por sua vez, aduz que o autor não trouxe aos autos prova dos danos que alega ter experimentado. Alega que o valor da indenização arbitrada para composição dos danos morais é excessiva e, ademais, indevidamente fixada em salários mínimos.

Processados os recursos, foram recebidos (fls. 96 e 117), com contrarrazões apenas por parte do autor.

É o relatório.

2. O autor alega na petição inicial ter adquirido um computador portátil pela da empresa demandada. Aduz que o produto apresentou defeito após dois meses de uso, sendo levado para assistência técnica por preposto da fabricante. Ocorre que, ao receber o produto, notou que “o plástico protetor havia sido removido e o aparelho estava todo lacerado, contendo riscos profundos em sua tampa, de tal forma que aparentava ser um aparelho velho, muito usado, e não o seu, recentemente comprado”. Afirma ter contatado o SAC da fabricante, sendo orientado a enviar fotografias do aparelho para um e-mail informado. Destarte, transcorridos seis meses sem apresentação de qualquer solução, pretende a rescisão do negócio jurídico e a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais.

A empresa demandada, embora afirme ter tomado todas as medidas para analisar a denúncia narrada pelo autor, não se opõe à devolução da quantia paga. Contudo, nega existir dano moral a ser ressarcido.

O magistrado de primeiro grau julgou a ação procedente, na esteira de que “se mostra incontroverso que tem o autor direito à resolução do contrato, bem como à devolução das quantias pagas pelo produto, tanto que admitido pela ré em resposta (fls. 49). No mais, em relação aos danos morais, veja-se que a situação vivenciada pelo autor os caracteriza, ante a frustração pela não utilização do bem adquirido. Ao depois, ultrapassada tal questão, em relação aos danos morais sofridos, o que se extrai da prova documental é que se não bastassem os transtornos que já haviam sido experimentados pelo autor, efetivamente houve demora injustificada na resposta acerca dos problemas do produto, o que só ocorreu após o ajuizamento da presente ação”. Ressaltou-se, pois, que “o produto foi devolvido ao autor com riscos em 28 de junho de 2012, sendo que até o ajuizamento da presente ação, em 19 de dezembro de 2012, não havia o autor obtido resposta acerca de seu problema”. Destarte, reconhecido o dano moral, a indenização foi arbitrada em cinco salários mínimos vigente na data da sentença.

Tecidas as ponderações necessárias, tem-se que o dano causado ao produto por preposto da empresa fabricante se tornou incontroverso, razão pela qual resta analisar se houve hipótese dano moral indenizável.

Com efeito, prevalece nesta c. Câmara de Direito Privado exegese no sentido de que, via de regra, “o inadimplemento contratual se resolve em perdas e danos”.

Referida exegese encontra respaldo em precedente parelho do e. Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual, “como anotado em precedente (REsp 202.504-SP, DJ 1.10.2001), 'o inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma das partes possa trazer desconforto ao outro contratante - e normalmente o traz - trata-se, em princípio, do desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade'”.

A propósito do tema, Sergio Cavalieri Filho, bem expressa que "só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos".

Especificamente no que diz respeito à relevância do tempo como fonte de responsabilidade civil, Pablo Stolze Gagliano, inicia o estudo do tema introduzindo um questionamento: “É justo que, em nossa atual conjuntura de vida, determinados prestadores de serviço ou fornecedores de produtos, imponham-nos um desperdício inaceitável do nosso próprio tempo? A perda de um turno ou de um dia inteiro de trabalho ou até mesmo a privação do convívio com a nossa família não ultrapassaria o limiar do mero percalço ou aborrecimento, ingressando na seara do dano indenizável, na perspectiva da função social?”.

Referido civilista, embora não conclua que toda perda de tempo dê causa a responsabilidade civil, enfatiza que, “em situações de comprovada gravidade, pensamos que esta tese é perfeitamente possível e atende ao aspecto, não apenas compensatório, mas também punitivo ou pedagógico da própria responsabilidade civil”. Cita-se no artigo a doutrina de Vitor Guglinski, para quem “a ocorrência sucessiva e acintosa de mau atendimento ao consumidor, gerando a perda de tempo útil, tem levado a jurisprudência a dar seus primeiros passos para solucionar os dissabores experimentados por milhares de consumidores, passando a admitir a reparação civil pela perda do tempo livre”.

Há, pois, necessidade de ponderação entre o tempo razoável e aquele tratado no caso concreto, como bem se sugere em trecho da lavra de Leonardo Garcia, igualmente mencionado no artigo em comento: “Muitas situações do cotidiano nos trazem a sensação de perda de tempo: o tempo em que ficamos 'presos' no trânsito; o tempo para cancelar a contratação que não mais nos interessa; o tempo para cancelar a cobrança indevida do cartão de crédito; a espera de atendimento em consultórios médicos etc. A maioria dessas situações, desde que não cause outros danos, deve ser tolerada, uma vez que faz parte da vida em sociedade. Ao contrário, a indenização pela perda do tempo livre trata de situações intoleráveis, em que há desídia e desrespeito aos consumidores, que muitas vezes se veem compelidos a sair de sua rotina e perder o tempo livre para solucionar problemas causados por atos ilícitos ou condutas abusivas dos fornecedores. Tais situações fogem do que usualmente se aceita como 'normal', em se tratando de espera por parte do consumidor”.

Aplicada a fonte doutrinária e jurisprudencial à hipótese em apreço, possível concluir que a situação que desborda do piso de tolerabilidade ao qual estão expostos todos os que vivem em sociedade não se subsume ao vício do produto, posto se tratar de mero inadimplemento a ser resolvido, como exposto, em perdas e danos. O sentimento de impotência e de indignação narrados na vestibular são atribuídos ao modo como a fornecedora tratou o autor ao tomar conhecimento dos danos subsequentes, causados por seus próprios prepostos.

Poder-se-ia alegar que a lei prevê solução para as hipóteses em que o fornecedor excede o prazo para regularização do vício (art. 18, § 1º, CDC), de modo que o transcurso de seis meses seria atribuído à inércia do próprio consumidor em buscar guarida judicial. Ocorre que, a fornecedora, extrajudicialmente, nunca negou o direito de o consumidor ter sua pretensão analisada e resolvida; ao reverso, alimenta sua expectativa, mas protrair sua decisão indefinidamente.

Caracterizado, pois, o ilícito civil a ensejar dano moral indenizável, tem-se que, quanto ao valor arbitrado, nada existe a ser alterado.

De fato, no que toca ao “quantum” indenizatório, é certo que não há critérios exatos para se estabelecer o "pretium doloris". A doutrina pondera que: “inexistem 'caminhos exatos' para se chegar à quantificação do dano extrapatrimonial, mas lembra também que é muito importante a atuação do juiz, a fim de que se alcance 'a equilibrada fixação do quantum da indenização', dentro da necessária' ponderação e critério'".

Na hipótese em apreço, considerando os parâmetros uniformemente aceitos pela doutrina e bem sintetizados na obra de Caio Mario, mostra-se razoável o arbitramento de R$-3.390,00, quantia correspondente a cinco salários mínimos vigentes quando da prolação da sentença, suficiente para a reparação do dano em suas duas vertentes, a compensatória (minimizando a angústia experimentada pelo jurisdicionado) e sancionatória (desestimulando o autor do ilícito a reincidir no ato danoso) sem constituir modo de enriquecimento indevido.

Registre-se, por fim, que a utilização do salário mínimo é vedada como fator de indexação, não se podendo falar o mesmo para fins de se estabelecer critério de indenização, como já decidiu o e. Superior Tribunal de Justiça.

3. Ante o exposto, nega-se provimento aos recursos.

ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO

Relator