A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, entendeu que o princípio da boa-fé contratual subjetiva não afasta a responsabilidade da instituição financeira por eventuais danos causados ao cliente no caso de operações bancárias não autorizadas, salvo a hipótese de “prática habitual” entre as partes.
A decisão foi tomada no julgamento do recurso especial de um casal de
correntistas que postulava indenização por danos materiais e morais
contra uma instituição bancária, em razão da realização de investimento
não autorizado com dinheiro depositado em sua conta.
O caso
Na petição inicial, os autores disseram que eram correntistas do
banco desde 1996 e que, ao longo desse tempo, mantiveram aplicações em
Certificados de Depósito Bancário (CDB), com a condição de 100% sobre o
rendimento do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), já que eram
clientes conservadores e consideravam esse tipo de aplicação mais
seguro.
Afirmaram também que investiram inicialmente R$ 400 mil na referida
aplicação, valor que foi posteriormente resgatado com os respectivos
rendimentos e reaplicado, sem esses juros, em CDB – porém dessa vez em
nova conta aberta pelo banco sem qualquer comunicação aos clientes.
Por fim, relataram que no período mínimo de carência do investimento
foram incentivados pelos funcionários do banco a investir em Fundo Mútuo
de Investimento de Ações, mas recusaram a proposta e, ainda assim, após
retirarem uma parte do dinheiro e colocarem em sua conta, o banco, sem
qualquer comunicação, investiu o valor de R$ 250 mil em Fundos BIC Ações
Index. Sustentaram que a partir daí não tiveram mais acesso ao
dinheiro, tampouco aos rendimentos, apesar das repetidas solicitações.
Boa-fé subjetiva
Na primeira instância, o juiz acolheu as alegações do casal, por
entender ilícita a conduta do banco ao aplicar o dinheiro em
investimento de alto risco sem autorização expressa, e condenou a
instituição financeira a pagar danos morais e materiais, além de
honorários advocatícios.
O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) deu provimento ao recurso do
banco, sob o fundamento de que há incidência do princípio da boa-fé
contratual. Para o tribunal, apesar da conduta do banco de não solicitar
a anuência dos clientes antes da prestação do serviço – segundo
preconiza o artigo 39,
VI, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) –, a inércia dos
correntistas, que só teriam procurado a Justiça quando concluíram ser
mais vantajoso o CDB-CDI (cinco anos após a operação), referendou o ato.
Informações claras
Em seu voto, o relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe
Salomão, lembrou a incidência do CDC nas atividades de natureza bancária
– conforme estabelecido pela Súmula 297/STJ – e do conceito de consumidor, o qual pressupõe a condição de hipossuficiência.
“Há de se garantir a incidência do Código de Defesa do Consumidor ao
investidor não profissional, de regra pessoa física, que vê a
possibilidade de aporte em fundos de investimentos como apenas mais um
serviço oferecido pela instituição bancária, como qualquer outro
investimento congênere”, afirmou o relator.
Salomão destacou que as instituições bancárias, enquanto prestadoras
de serviço de consultoria financeira, têm a responsabilidade de fornecer
informações claras e precisas aos consumidores sobre características,
inclusive riscos, dos ativos financeiros negociados e apresentados como
opção de investimento – o que não ocorreu no processo analisado.
“No caso em julgamento, penso que a deficiência informacional do
consumidor decorreu da incontroversa ausência de autorização expressa
para que o banco procedesse à aplicação financeira em fundo de
investimento que apresentava risco incompatível com o perfil conservador
do correntista.”
Aceitação tácita
O relator ressaltou ainda que o artigo 39 do CDC veda ao fornecedor a
execução de serviços ou a entrega de produtos sem prévia autorização ou
solicitação do cliente.
“As exigências legais de ‘solicitação prévia’ ou de ‘autorização
expressa do consumidor’ para legitimar a prestação do serviço ou a
aquisição de um produto têm relação direta com seu direito à informação
clara e adequada, viabilizadora do exercício de uma opção desprovida de
vício de consentimento da parte cujo déficit informacional é evidente”,
declarou Salomão.
O magistrado observou que tal previsão do CDC impede que seja
aplicado o princípio da boa-fé subjetiva e se considere o silêncio do
consumidor por um dado período de tempo como “aceitação tácita” do
contrato, efeito jurídico previsto no artigo 111 do Código Civil e
aplicado pelo TJGO ao caso.
“No que diz respeito às práticas abusivas fundadas na falta de
solicitação prévia ou autorização expressa, não se poderá atribuir o status de
anuência tácita ao silêncio do consumidor que, malgrado o decurso do
tempo, não tenha se insurgido explicitamente contra a conduta do
fornecedor que, ao prestar um serviço, não agira de modo a reduzir o
déficit informacional da parte vulnerável, em flagrante ofensa aos
princípios da boa-fé objetiva, da vulnerabilidade e do equilíbrio,
consagrados pelo CDC” – completou o ministro.