É muito comum que os estabelecimentos se utilizem de comandas para controlar o consumo de seus clientes. Casas de shows, “baladas”, bares e até mesmo alguns restaurantes acabam por se utilizar deste sistema, tendo em vista a praticidade e o conforto para ambas as partes.
O que ocorre é que muitas vezes um sistema utilizado para trazer benefícios, acaba prejudicando o consumidor. Por desconhecimento da lei, grande parte da população acaba tendo direitos cerceados ou ignorados e isso vem gerando uma grande insatisfação no mercado de consumo em geral.
A cobrança de qualquer valor em razão de perda de comanda, seu extravio ou furto é uma prática que afronta diretamente a Política Nacional das Relações de Consumo.
No atual cenário do país, é de extrema importância a conscientização da população acerca de seus direitos e a proteção destes em qualquer que seja a esfera jurídica. A proteção do consumidor deve ser motivo de preocupação estatal em face da “agressividade” e competitividade do mercado que cada vez busca maiores lucros, muitas vezes sem se preocupar com o consumidor.
Junto a isso, cresce também o número de práticas abusivas, que devem ser combatidas uma vez que em completo desacordo com o ordenamento jurídico pátrio e a ideia de Estado Democrático de Direito. A população é peça fundamental no combate a essas práticas já que é ela a destinatária direta dos produtos e serviços oferecidos.
Na maioria das vezes, a falta de cuidado ou a desonestidade de uma terceira pessoa são os motivos para que uma comanda desapareça da esfera de vigilância daquele que a mantinha. É muito comum que isso ocorra em estabelecimentos com grande circulação de pessoas e quase sempre com pouca iluminação.
O problema é a dor de cabeça gerada para aquele que perde ou tem extraviada/furtada sua comanda. Os estabelecimentos costumam impor a entrega da comanda para que o consumidor possa se retirar do local. Uma vez que o mesmo não apresenta a comanda, acaba sendo impedido de sair do recinto. Como condição para a saída, costumam impor uma multa, sempre altíssima e desproporcional.
Ocorre que não há qualquer lei que obrigue quem perdeu, teve extraviada ou furtada sua comanda, a pagar qualquer valor a título de multa. É possível dizer que tal situação caracteriza-se como extorsão e não tem amparo legal.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LIV, prevê que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Ainda, o Código de Defesa do Consumidor, legislação específica para a situação em tela, considera ilegal essa cobrança:
Art. 39: “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;”
Ora, fica explícito que exigir o pagamento de multa por perda de comanda configura tipo previsto no Código de Defesa do Consumidor. É vantagem manifestamente excessiva, tendo em vista que o valor cobrado é muito alto e não corresponde ao exato consumo, colocando o consumidor em situação de desvantagem. Acerca deste tema, dispõe o artigo 51 do CDC:
Art. 51. “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;”
É preciso destacar que é obrigação do prestador de serviços disponibilizar um sistema eficiente capaz de controlar a venda de comidas e bebidas dentro de seu estabelecimento. Essa responsabilidade de controle não pode simplesmente ser repassada para o cliente, obrigando-o a pagar uma quantia aleatória determinada pela casa ou algum de seus funcionários. Vale ressaltar ainda, que o ônus da prova é do prestador de serviço, ou seja, é ele quem deve demonstrar os gastos reais do consumidor, para assim realizar a cobrança.
Qualquer aviso feito por funcionário do estabelecimento ou nota/aviso na comanda a respeito de multa deve ser ignorado.
O consumidor deve ter muita atenção com atitudes de ameaça, coação, constrangimento e outros, no momento da cobrança da “multa”.
Desrespeitar o consumidor e impor-lhe multa exagerada por perda (extravio ou furto) de comanda, além de constituir afronta a Direitos e Princípios vigentes no ordenamento jurídico, constitui “crime”. Utilizar-se de ameaças, constrangimento físico ou moral, extorsão e outros, também são considerados “crimes” e podem ensejar Boletim de Ocorrência. Existem infrações previstas no Código de Defesa do Consumidor e no Código Penal.
Destaca-se que diante dessa situação é possível que a Polícia Militar seja acionada para elaboração de Boletim de Ocorrência. No caso de o consumidor ceder e acabar pagando a multa (é fundamental pedir um recibo), ele poderá pedir a devolução do valor pago indevidamente, em dobro. Além disso, poderá ingressar em juízo para pedir danos morais, sem prejuízo da Ação Penal (é necessário Boletim de Ocorrência).
Como visto, é completamente fraudulenta, abusiva e criminosa a cobrança de multa nesses casos. Atualmente, com a quantidade de informação e condição de acesso de todos à legislação, um prestador de serviços alegar desconhecimento da lei acaba por configurar má-fé ou má vontade.
Por Natália Amaral Guimarães