Decisão do TJSP reafirma o entendimento unânime dos Desembargadores no sentido de que o comprador de imóvel na planta tem a seu favor o prazo de 10 anos para ingressar com ação de restituição de comissão de corretagem em face da incorporadora ou da corretora.
O Caso:
Um adquirente de apartamento na planta da incorporadora CURY ganhou na justiça o direito à restituição integral de valores indevidamente pagos por ocasião da compra de um imóvel na planta perante a mesma incorporadora.
Ao ingressar nas dependências do estande de vendas, o comprador foi atendido por um funcionário da incorporadora CURY, que ali se encontrava em caráter de exclusividade para as vendas das unidades ainda na planta.
Ao preencher o valor do cheque que deveria ser destinado ao pagamento do sinal do preço do imóvel, o comprador foi obrigado pelo funcionário na emissão de inúmeros outros cheques e valores, destinados posteriormente ao pagamento indevido de suposta comissão de corretagem no valor total de R$ 6.354,70, sob pena de não ser possível a assinatura do Contrato, em autêntica venda casada.
Tomando conhecimento de que o entendimento prevalecente na jurisprudência do Estado de São Paulo para solicitar a restituição dos valores é de até 10 anos contados do pagamento, o comprador ingressou com uma ação de restituição de quantias pagas e ganhou em primeira instância.
Inconformada com a condenação, recorreu a incorporadora, sendo certo que o recurso de apelação foi distribuído perante a 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tendo como Relator o ilustre Desembargador Luiz Ambra. O recurso foi julgado em 16 de setembro de 2015.
A 8ª Câmara, por votação unânime, negou provimento ao recurso da incorporadora, mantendo a sentença por seus próprios fundamentos.
No tocante à repetição da argumentação da incorporadora sobre a ocorrência de prescrição trienal para o pedido do comprador de restituição dos valores, o Desembargador assim se posicionou, rechaçando a preliminar arguida pela empresa:
- “Em relação a prescrição relativa à restituição da corretagem, por tratar-se de “pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa” não se cogita.
- A respeito já se decidiu:
COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA Atraso na entrega da obra Inadimplemento da ré configurado Comissão de corretagem Prescrição inocorrente Pedido de restituição de importâncias pagas não se confunde com enriquecimento sem causa Aplicação do prazo prescricional decenal previsto no artigo 205 do Código Civil, ante a ausência de regra específica. Ademais, ilegitimidade de parte passiva afastada Hipótese em que a obrigação de entrega do produto não se confunde com a expedição de habite-se, providência que compete exclusivamente ao fornecedor, sob pena de postergar, ao seu arbítrio, o adimplemento do contrato Irrelevância da escassez de mão de obra, que configura fortuito interno e se agrega ao risco do empreendedor Perdas e danos decorrentes do atraso, fixadas em 0,5% ao mês sobre o valor atualizado do contrato, que corresponde ao valor do imóvel e equivale aos frutos que os promitentes compradores deixaram de auferir pela falta de entrega pontual da unidade Obrigação de efetuar o pagamento das despesas condominiais e tributárias que surge com a efetiva posse do imóvel, com a entrega das chaves Valores pagos a título de SATI e corretagem que podem ser assumidos pelo comprador, desde que dada ciência ao adquirente, o que não restou comprovado Ausência de justificativa para a exigência de tais valores Sentença mantida Recurso não provido. (Apelação nº 0053665-68.2012.8.26.0564, 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, rel. Moreira Viegas, j. 27.11.13).”
Com relação a uma segunda preliminar de suposta ilegitimidade passiva para responder pela restituição dos valores, o Relator assim ponderou:
- “Preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela ré corretamente afastada pelo Juízo, haja vista a nítida parceria comercial na construção e divulgação do empreendimento. Pouco importando ao consumidor o ajuste existente entre ambas, ou o regresso que a qualquer delas caiba.”
Sobre o MÉRITO da discussão em si sobre a ilegalidade e nítida abusividade praticada por incorporadoras em empurrar para o interessado o pagamento obrigatório de comissão de corretagem, assim se posicionou a 8ª Câmara:
- “Tornou-se usual nos dias atuais embora nitidamente abusiva a prática de empurrar para o comprador o pagamento de comissão de corretagem de imóvel a ser ainda construído, pelo valor total do negócio como se pronto já estivesse.
- Quer dizer, não só o comprador paga a comissão que deveria ser paga pelo vendedor este é que contratou a empresa corretora, para ele é que a empresa trabalha, como igualmente paga sobre o todo, que ainda nem existe. Paga sobre o que efetivamente tenha desembolsado e, de quebra,sobre fumaça no que diz respeito ao restante.
- Tal prática como se disse é abusiva. Mas se o adquirente com ela não concordar, simplesmente a transação não será concretizada, assim o incorporador se livrando, desde logo, de pesado encargo. Forma nítida de coação indireta, convenha-se. Privilegiadíssima a situação do corretor, que ganha até sobre o que ainda nem existe.”
O Desembargador ponderou também sobre a operação consistir em venda casada. Vejamos:
- “No mais, o fato de alguns contratos de compromisso de compra e venda e comissão de corretagem encontrarem-se em termos instrumentais separados daquilo que configura a relação negocial na essência, ou seja, a aquisição do imóvel, não é suficiente para caracterizar 'acordo distinto'. Trata-se, à evidência, de notória “operação casada”, o que é vedado pelo ordenamento jurídico.
- E, não se deve olvidar tratar-se de contrato de adesão, já impresso com todas as condições preestabelecidas, não tendo o comprador qualquer poder para eventual alteração. Assim, data vênia ao entendimento dos autores, o consumidor não pode ser obrigado a contratar serviço pelo qual não tem interesse. Além disso, não há quaisquer indícios sobre o adequado esclarecimento ao consumidor a respeito desses serviços prestados por terceiros.
- No mais das vezes, ao que comumente se apresenta, o comprador só toma conhecimento dos tais pagamentos na data de assinatura do contrato de compra e venda, ao formalizar a transação, colocando-o em situação adversa. Em regra, os contratos contendo disposições genéricas e superficiais relativas ao suposto objeto dos serviços, destacando-se termos como esclarecimentos, assessoria, análise preliminar, acompanhamento, orientação, mas tudo sem especificação alguma, ou seja, ausência de clareza e precisão, somente induzindo o consumidor a erro.
- Desse modo, forçoso reconhecer que o adquirente não possuía outra possibilidade de negociação a não ser aquela imposta pela vendedora; isto é, a recusa ao pagamento dos serviços prestados por terceiros inviabilizaria a aquisição do imóvel. Tudo a configurar a “venda casada”, já que a prestação daqueles serviços de assistência técnico-imobiliária estava nitidamente vinculada à assinatura do compromisso de compra e venda, o que teria obrigado o comprador a aderir a cláusula constante do referido contrato.”
Resultado final:
Ao final, a 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo manteve integralmente a sentença que havia julgado procedente o pedido para condenar a incorporadora CURY na restituição dos valores pagos indevidamente a título de suposta comissão de corretagem no valor de R$ 6.354,70, acrescido de correção monetária e juros legais de 1% ao mês.
Processo nº 1026496-61.2014.8.26.0001
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia (especialista em Direito Imobiliário)